Carlos Moura, Presidente da AHRESP
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Com valores milionários de receitas para o país, o setor turístico continua em crescimento. Apesar da imensa popularidade dos destinos nacionais mais conhecidos, a evolução abrange todo o território, ao longo de todo o ano. Posicionamento internacional, formação de recursos humanos e valorização da gastronomia estão entre os temas focados por esta entrevista exclusiva ao Presidente do Turismo de Portugal, Luís Araújo.
Texto Luís Carlos Soares | Fotos Nuno Martinho
Ultimamente temos assistido a um intenso debate relativo à sustentabilidade da atividade turística no país. Portugal está preparado para continuar a receber números tão elevados de turistas?
Nós temos objetivos muito claros relativamente ao que queremos para o turismo nacional, que foram definidos no ano passado, quando se traçou a Estratégia Turismo 2027 [lê-se 20-27]. Basicamente, na altura queríamos atingir um pouco menos do dobro das dormidas e mais do dobro das receitas, o que corresponde a 80 milhões de dormidas e 26 mil milhões de receitas. Também estabelecemos como objetivos que este crescimento seja em todo o território e ao longo de todo o ano. Passado um ano da aprovação desta estratégia, por resolução do Conselho de Ministros, já atingimos números que prevíamos alcançar apenas em 2020. Ou seja, estamos já com 54 milhões de dormidas e 15,1 mil milhões de receitas.
Esse crescimento verifica-se, parafraseando-o, “em todo o território e ao longo de todo o ano”?
Sim. Perto de 60% do crescimento em 2017 verificou-se na época baixa, com o atingir de um record histórico do valor mais baixo de sempre de taxa de sazonalidade (36,6%). Para além disso, verificou-se um crescimento nas zonas do país que eram menos conhecidas do ponto de vista turístico, nomeadamente Alentejo, Centro e Açores.
Ainda assim, números divulgados pelo INE, alusivos a este ano, apontam para a desaceleração do crescimento do turismo. A que atribui essa tendência?
Nós contínuamos a crescer, à volta de 2%, e estamos a crescer cerca de 8,5% em termos de receita. Ou seja, estamos a crescer mais em receita do que em número de turistas e de dormidas. Isto depois de um crescimento expressivo em 2016 e em 2017. Mas mais importante, como disse há pouco, estamos a crescer em zonas menos conhecidas e em época baixa. Para além disso, estamos a sentir um crescimento expressivo em novos mercados.
Mas há números que apontam para a redução de turistas em mercados tradicionais, como o Reino Unido e a Alemanha…
Se é verdade que temos reduzido nesses mercados tradicionais, também é verdade que temos crescimento no Brasil, Estados Unidos, Canadá e China. Estamos a posicionar Portugal numa perspetiva de diversificação de novos mercados e em termos de conetividade aérea. Só em 2017 tivemos perto de 140 novas rotas para o país. Sublinho que estamos a verificar um crescimento que vai em linha do que traçámos para 2027.
Partilha das várias vozes que reclamam a urgência da construção de um novo aeroporto?
Obviamente, como o fazem todos os intervenientes deste setor. É fundamental termos uma alternativa ao Aeroporto de Lisboa como principal porta de entrada no país. Isso não significa que não existam outras alternativas, os outros aeroportos nacionais, que não se esteja a trabalhar com outras companhias aéreas para ocupar uma série de slots em horas que não são tão procuradas quanto as de maior tráfego no aeroporto, e por aí fora. É praticamente uma “verdade de La Palice” que existe a necessidade de melhorar as condições de operação em qualquer aeroporto de Portugal, não só em Lisboa.
Há pouco referiu alguns dos mercados emissores de turistas que mais têm crescido. É nestes que o Turismo de Portugal mais tem apostado?
Para nós, são aposta todos os mercados que se destaquem pela dimensão, pela apetência para viajar ou pelo reforço da conetividade aérea. Falamos aqui dos Estados Unidos, China e Índia. A par destes mercados, existem outros muito interessantes de aposta seletiva. Na Ásia, por exemplo, são os casos do Japão, Vietname e Coreia do Sul, que apesar de não terem conetividade aérea, estamos muito bem servidos através de ligações. São tão importantes que o Turismo de Portugal tomou a decisão de brevemente abrir uma delegação no Japão.
Acaba de referir o mercado dos Estados Unidos, onde foi lançado um billboard da altura da onda gigante da Nazaré, num dos locais mais visitados por turistas por tudo o mundo, como é a Times Square (Nova Iorque). Apostar em estratégias de promoção tão inovadoras como esta é para manter?
Temos que estar sempre a reinventar a maneira como posicionamos o país. Hoje, quase 100% das nossas campanhas direcionadas ao consumidor final são digitais, seja em motores de busca ou em redes sociais. Estas campanhas digitais vão associadas a uma série de outras iniciativas offline, como a presença em feiras, workshops, roadshows, contactos com agentes de viagens e ações específicas, como essa em Times Square. Essa foi uma campanha realizada pelo Turismo de Portugal, que diria que teve um impacto gigante não só porque Times Square é o centro de Nova Iorque, como porque atinge pessoas de quase todas as nacionalidades. Houve ali uma janela de oportunidade que nos permitiu ter o “Visit Portugal” presente, mas principalmente mostrar o país de uma perspetiva diferente da tradicional que as pessoas conhecem, com um produto inovador como é o surf.
Nesse trabalho de mostrar o país ao mundo, que papel é atribuído à gastronomia?
Quando estabelecemos a Estratégia Turismo 2027, definimos dez ativos estratégicos, entre os quais está a gastronomia e enoturismo, que para nós constituem um eixo fundamental nesta promoção do destino Portugal. Temos que ter consciência do valor que a gastronomia tem na perspetiva de experiência de quem nos vem visitar. Obviamente, isto faz com que a gastronomia esteja dentro de qualquer iniciativa de promoção. Não existe uma campanha específica só sobre gastronomia, mas faz parte, por ser fundamental na experiência do turista em Portugal. Aliás, a gastronomia é um dos principais critérios de valorização de expetativa de qualquer turista que vem ao nosso país.
Como avalia o serviço prestado pelas empresas portuguesas da Hotelaria e Restauração?
A melhor pessoa para falar sobre isso é qualquer turista que vem a Portugal. Como lhe disse, é uma avaliação extremamente positiva, o que não significa que não haja margem para crescer numa perspetiva de inovação, de melhoria de qualidade do serviço e do produto, do trabalho em rede pelo conjunto da restauração, da preservação da autenticidade da gastronomia tradicional, para crescer também numa perspetiva de internacionalização. Daí a iniciativa Taste Portugal, de termos certificação dos restaurantes portugueses pelo mundo fora, apoiada desde o primeiro momento, porque acreditamos que é mais um passo na promoção do turismo através da gastronomia. Portanto, a gastronomia tem um papel importantíssimo, mas há margem para fazer coisas novas.
Com a primeira fase do programa Taste Portugal já concluída, acredita ser importante uma segunda fase para continuar a apostar nesta iniciativa?
Eu acho que, como qualquer programa, temos que ir avaliando qual é que é o resultado da primeira fase. Estamos numa fase de balanço, para ver como é que correu, mas daquilo que temos falado, da experiência que eu tenho e daquilo que temos visto, acredito que é uma experiência para continuar, talvez abrangendo mais parceiros e sensibilizando os parceiros locais e internacionais para a importância deste ativo como ativo de promoção de Portugal no exterior.
Que conselhos dá a um empresário que, motivado pela atratividade turística do nosso país, queira abrir um estabelecimento de restauração em zonas de “movida” turística? Incentiva-o a apostar na gastronomia portuguesa?
O turismo, e os setores da hotelaria e restauração, para aqueles que queiram apostar, é um investimento de longo prazo, uma maratona. Acredito que qualquer negócio que se desenvolva tem que ser pensado em profundidade, porque é um investimento grande com condicionalismos muito fortes. Aquilo que assistimos hoje é um grande interesse e curiosidade por tudo o que tenha a ver com Portugal. Eu diria que, hoje, qualquer produto com autenticidade e que seja genuíno, que mostre a nossa cultura, a nossa história e o nosso património, como é o caso da gastronomia, tem mais possibilidades de sucesso do que algo que se pode experimentar em qualquer parte do mundo.
No início do ano, nas Jornadas AHRESP, foram muitos os profissionais do setor que demonstraram vontade de contratar mais profissionais, mas que não encontram os que correspondam aos perfis desejados para os seus estabelecimentos. Sendo o Turismo de Portugal uma entidade que detém escolas de formação por todo o país, como reage a esta necessidade?
A necessidade que os empresários apontam é uma necessidade real e que obviamente reconheço e compreendo. O que temos que perceber são as razões dessa falta de interesse por determinadas profissões relacionadas com o turismo. Em muitos casos, tem a ver com questões culturais, porque o exercício de uma profissão relacionada com turismo era muitas vezes encarada como uma segunda opção. Tem a ver com questões financeiras, de as pessoas acreditarem que é muito menos bem remunerada que outra profissão qualquer. Também tem a ver com o facto de, muitas vezes, os empresários apostarem por recursos sem formação, embora já estejamos a assistir a uma transformação muito grande, também fruto desta escassez. Quanto mais apostarmos na formação das pessoas e na importância do exercício de funções no turismo em toda a sua abrangência, desde uma empregada de quartos até a uma chef de cozinha, mais fácil será conseguirmos captar os melhores. Por outro lado, se passarmos a mensagem de que o crescimento de carreira é muito maior e substancialmente superior no turismo que em muitos outros setores da economia, não só vamos ter muita mais gente a querer trabalhar neste setor, um dos que está a puxar pela economia do país, como vamos ter os melhores recursos humanos a querer participar. Agora, isto tem que ser um compromisso de todos e os próprios empresários têm que estar conscientes que é preciso apostar na formação das pessoas, na sua qualificação, para que elas também possam crescer. E as pessoas têm que perceber que enquanto não apostarem na sua formação a nível pessoal, seja dentro ou fora do trabalho, dificilmente vão ter esta progressão de carreira que nós achamos possível dentro do turismo.