Carlos Abade: “Estão disponíveis cerca de 500 milhões de euros para as empresas do Turismo, onde se incluem evidentemente as de Restauração e de Alojamento”

Nos últimos três anos, o conjunto de instrumentos públicos de apoio ao investimento para a atividade turística, nos quais o Turismo de Portugal intervém, já alavancou 1,3 mil milhões de euros para o setor. Atualmente estão a decorrer linhas de apoio, explicadas nesta entrevista a Carlos Abade, Vogal do Conselho Diretivo do Turismo de Portugal.

Tendo em conta o recente crescimento do setor do Turismo, quais têm sido as principais preocupações do Turismo de Portugal no apoio ao investimento das empresas do setor, nomeadamente da Restauração e do Alojamento Turístico?

Ao nível do apoio ao investimento das empresas, eu diria que há quatro dimensões nas quais temos investido bastante. A primeira é o conhecimento, uma vez que, para boas decisões de investimento, é necessário que haja, da parte de quem investe, um conhecimento de todas as variáveis que afetam o resultado dos negócios. Uma segunda dimensão, a criação de um quadro de instrumentos de apoio financeiro que esteja alinhado com as necessidades das empresas do setor. Posso dizer que, hoje, no conjunto destas linhas de apoio financeiro, estão disponíveis cerca de 500 milhões de euros para as empresas do Turismo, onde se incluem evidentemente as de Restauração e de Alojamento. A terceira dimensão tem a ver com o reforço das competências de gestão das empresas. E, finalmente, uma componente muito forte do ponto de vista da comunicação, não só através de ações no terreno por todo o país, para dar conta às empresas quais são os instrumentos de apoio financeiro que estão disponíveis, mas também para comunicar com os parceiros, nomeadamente financeiros, no sentido de dar toda a informação possível sobre o setor ao mercado financeiro, para que olhe para o Turismo de uma forma cada vez melhor.

A criação do Programa BEST, em parceria com a AHRESP, insere-se nessa terceira dimensão referida, de reforço das competências de gestão das empresas?

Exatamente. As exigências do mundo moderno e a velocidade a que o mundo anda hoje exigem que estejamos sempre preparados para os novos desafios. Desta forma, iniciámos o Programa BEST – Business Education for Smart Tourism, em parceria com a AHRESP, mas também com outras associações do setor e com a confederação do turismo, no âmbito do qual desenvolvemos um conjunto de temáticas relacionadas com o digital, com o marketing, com a gestão financeira e com a criação de valor, que visa reforçar as competências de gestão e dos gestores nas suas empresas. Posso dizer que este programa foi criado em dezembro e, ao dia desta entrevista, já foram feitas 12 sessões, que envolveram 400 participantes, e até maio temos previstas mais 40 ações, por todo o país.

Há pouco referiu a realização de ações no terreno como prova da aposta na componente da comunicação. Em que moldes foram realizadas essas iniciativas?

Recentemente decorreu uma ação em que o Turismo de Portugal, em conjunto com os seus parceiros, percorreu todo o país, fazendo cinco grandes conferências sobre as novas soluções de financiamento para as empresas do setor. Estivemos durante três dias em cada região. Envolveu mais de 1500 participantes, e juntou as entidades regionais de turismo, as associações empresariais, mas também os parceiros do mercado financeiro, precisamente para que os bancos tenham uma perceção de risco cada vez mais positiva das empresas do turismo.

As diferentes linhas de apoio

De todos os programas de apoio financeiro, quais é que têm alcançado mais impacto junto das empresas e melhor correspondido às necessidades de investimento?

Eu diria que temos aqui sobretudo dois níveis. Os sistemas de incentivos do Portugal 2020 têm sido, de facto, bastante utilizados, com o setor do Turismo a registar mais de 750 empresas apoiadas e um investimento de 742 milhões de euros de projetos aprovados. Também tem sido muito utilizada a Linha de Apoio à Qualificação da Oferta, que é uma linha de crédito criada em parceria com o Turismo de Portugal e as instituições de crédito, que também envolve a AHRESP, e que tem tido uma procura muito intensa. Temos já 233 projetos aprovados nessa linha, alavancando 306 milhões de euros de investimento, o que é muito significativo. Foi criada em 2016 com a perspetiva de vigorar até 2018, mas tivemos que a reforçar em 2017 e fazer novo reforço em 2018, com 120 milhões de euros, para ir de encontro à procura. Estas duas linhas têm alavancado muito daquilo que é o investimento na requalificação e no desenvolvimento de novos projetos.

Quais são os principais objetivos da Linha de Apoio à Qualificação da Oferta?

De forma sucinta, esta linha promove a criação de novos projetos no setor do turismo que sejam diferenciadores e distintivos, mas também promove a requalificação, ampliação ou reposicionamento dos estabelecimentos e empreendimentos que já existem, para poderem captar novos e diferentes segmentos de mercado. De salientar que, com o reforço orçamental de 2018, fizeram-se duas alterações significativas: uma foi a de dar ainda melhores condições a todos os projetos localizados em territórios de baixa densidade, com prémios de desempenho associados, e a outra foi a de criar um programa específico para o Algarve, sobetudo para a requalificação do produto turistico da região, que beneficia das melhores condições da linha, incluindo no que diz respeito aos prémios de desempenho.

A AHRESP e o Turismo de Portugal celebraram um protocolo de colaboração no âmbito desta linha. Quais as principais vantagens que destaca para as empresas?

A principal vantagem para as empresas é a possibilidade de a AHRESP estar envolvida no ponto de vista da comunicação. Ou seja, fazer chegar aos seus Associados as vantagens desta linha. A outra vantagem é o facto de terem a sua Associação envolvida naquilo que também é a definição dos termos em que a linha é criada, e também de poder monitorizar e acompanhar a aplicação dos apoios financeiros concedidos, podendo sugerir os ajustamentos que considere mais adequados face à realidade dos seus Associados.

Um dos instrumentos de apoio mais recentes é a Linha de Crédito à Eficiência Energética…

Sim, um instrumento recente, que esperamos vir a ter das empresas uma forte adesão. Um dos principais desafios com que o setor se depara é, sem dúvida, o da sustentabilidade, pelo que não podemos deixar de, neste contexto, insistir no desenvolvimento de soluções de eficiência energética, e de gestão eficiente da água e dos resíduos. É uma questão que impacta diretamente na capacidade das empresas em se tornarem mais eficientes na utilização dos recursos e, com isso, terem maiores níveis de produtividade. Esta linha de crédito, com 100 milhões de euros, destina-se a apoiar especificamente o investimento das empresas nestas componentes. Adicionalmente, fizemos constar da Linha de Apoio à Qualificação da Oferta, de que falámos há pouco, um mecanismo especifico para este tipo de investimento, que permite que seja perdoado às empresas do turismo até 20% do financiamento, num máximo de 40 mil euros.

Existem ainda as Linhas Capitalizar…

Sim, não posso esquecer o papel muito forte destas linhas no financiamento das empresas por parte da Banca, seja para novos estabelecimentos, seja para requalificar estabelecimentos já existentes. Têm na sua base uma parceria entre a garantia mútua e as instituições de crédito, que reduz o risco das operações de financiamento. Na linha Capitalizar normal, que é transversal a todos os setores de atividade, já foram apoiadas mais de 2000 empresas do turismo, o que é muito significativo. A intensidade de auxilio não é tão grande como no caso do Portugal 2020 ou da Linha de Apoio à Qualificação da Oferta, desde logo porque não tem prémios de desempenho associados, mas abrange todo o tipo de investimento, incluindo também acesso a fundo de maneio. Recentemente, foi criada a Linha Capitalizar Turismo, exclusivamente para as empresas do turismo e com um orçamento de 130 milhões de euros, que apresenta duas diferenças face à Linha Capitalizar normal: tem um prazo de reembolso máximo de 15 anos e permite que, no contexto de um novo investimento, parte do financiamento sirva para reescalonar o serviço de dívida existente.

As linhas de apoio para investimentos em territórios do interior têm-se revelado suficientes e adequadas?

As regiões onde temos crescido mais, percentualmente, têm sido precisamente as regiões que tradicionalmente não eram tão procuradas, as regiões Norte, Centro, Alentejo e Açores, e a verdade é que também se tem feito por isso do ponto de vista de formatação e aplicação dos instrumentos de apoio financeiro. Em 2016, o Governo criou o programa Valorizar, que visou sobretudo o desenvolvimento dos territórios de baixa densidade. Dessa forma, foi possível que, decorridos três anos, já tivessem sido aprovados 524 projetos ao abrigo deste programa, com cerca de 112 milhões de euros de investimento. Estamos a falar sobretudo de projetos de estruturação e de promoção de produto nesses territórios. Na própria Linha de Apoio à Qualificação da Oferta prevê-se, como já referi, uma discriminação positiva nos casos de projetos localizados em territórios de baixa densidade, o que tem gerado a apresentação e a aprovação de um número significativo de projetos. Na verdade, com estes instrumentos e mecanismos de apoio, que se têm revelado bastante eficazes e mobilizadores, fomos ao encontro de dinâmicas de desenvolvimento destes territórios que já existiam, mas que não tinham instrumentos de apoio financeiro que fizessem acontecer.

Também se criou o Fundo de Territórios de Baixa Densidade…

Sim. Não quisemos deixar de aproveitar os fundos existentes nos fundos de investimentos imobiliários detidos pelo Turismo de Portugal e geridos pela Turismo Fundos. O que se fez foi alocar um orçamento de 20 milhões de euros a um programa de investimento nos territórios de baixa densidade, que permite fazer a compra de ativos, o seu subsequente arrendamento pelo período máximo de 15 anos, com a opção de recompra no final deste período. As candidaturas ao programa foram prorrogadas até ao próximo dia 30 de junho, para permitir às empresas uma melhor preparação e apresentação das candidaturas.

No global, que verbas já resultaram destes instrumentos para o setor do turismo?

Entre incentivos financeiros e linhas de crédito, nos últimos três anos, este conjunto de instrumentos já alavancou 1,3 mil milhões de euros de investimento no setor do turismo. Ou seja, é muito significativo o investimento que está a ser feito pelo setor e é também muito significativo o nível de utilização destes instrumentos para esse efeito.

 

Dicas para acesso a financiamento

Do que pôde observar nas ações no terreno pelo país, considera que os empresários estão atualmente mais atentos à informação disponível sobre apoios disponíveis para as suas empresas turísticas?

Sim, estão. Mas é um trabalho contínuo, que exige um esforço constante de todos os atores, no sentido de que esta informação chegue de uma forma cada vez mais fácil às empresas, porque isso é essencial para as tomadas de decisão. Temos que tornar os canais de informação cada vez mais eficientes e eficazes, que permita manter as empresas sempre atualizadas, não só sobre instrumentos de apoio financeiro, mas também sobre todas as variáveis que condicionam a formatação do projeto de investimento. Foi, aliás, por essa razão que foi feita a ação de comunicação no inicio deste ano sobre as novas soluções de financiamento para o setor. E foi também por esta razão que o Turismo de Portugal desenvolveu três plataformas muito importantes para as empresas: o SIGTUR, que permite o conhecimento georeferenciado de toda a oferta turística existente em Portugal, o Invest in Tourism, que permite dar a conhecer oportunidades de investimento no setor, e o Travel BI, com toda a informação disponível sobre o setor. Mas para este esforço contínuo de comunicação são essenciais as parcerias que desenvolvemos com as associações empresariais, nomeadamente com a AHRESP, precisamente pela capacidade de estarem mais próximos dos seus Associados.

A generalidade dos empresários considera que é muito difícil conseguir obter um financiamento para o seu projeto de investimento…

Compreendo, mas temos que fazer tudo para mudar essa perceção. Na verdade, a dificuldade de acesso aos instrumentos de apoio financeiro varia muito em função de que instrumento de apoio financeiro estamos a falar, mas está seguramente mais facilitado do que há alguns anos. Temos hoje medidas de apoio financeiro que estão mais desburocratizadas e mais rápidas, como é o caso da Linha de Apoio à Qualificação da Oferta, onde a AHRESP também intervém. Outras há em que as condições de acesso estão muito condicionadas pelos respetivos enquadramentos comunitários, gerando necessidades acrescidas de fundamentação e justificação dos respetivos investimentos, como é o caso do Portugal 2020. Mas que, em contrapartida, tem níveis de auxílio mais intensos. O importante é que as empresas conheçam os termos e as condições de cada instrumento de apoio e que, em função das suas necessidades e dos seus timings, optem pelo mais adequado – daí a importância da informação de que falámos há pouco. Com o atual quadro de instrumentos de apoio ao investimento, bons projetos de investimento, capazes de gerar valor, encontrarão seguramente um ou mais instrumentos de apoio financeiro a que podem aceder.

Ultrapassada essa fase, qual é o passo seguinte?

Como referi, o importante é conseguir-se tomar uma boa decisão de financiamento, o que implica conhecer os instrumentos de apoio financeiro e perceber qual é o instrumento mais adequado à sua necessidade. Este é um trabalho relativamente ao qual o Turismo de Portugal e as associações empresariais, em particular a AHRESP, têm de ter um constante esforço de comunicação, para que as empresas percebam precisamente quais são os mecanismos de apoio financeiro a que podem aceder, quais as condições que devem observar em cada um, e o que têm que fazer. Sabendo disso, eu diria que o acesso aos instrumentos de apoio financeiro não é complicado.

Quais os principais erros que os empresários cometem nas suas candidaturas?

Por vezes, a escolha do instrumento financeiro. Alguns projetos não cumprem as condições de enquadramento de um instrumento em particular, mas mesmo assim, por desconhecimento, candidatam-se. Depois, mesmo no instrumento fianceiro correto, muitas das reprovações ocorrem por razões de ordem formal: inicio do projeto antes da candidatura, não aprovação do projeto de arquitetura ou situação financeira desiquilibrada. Outro aspeto por vezes descurado tem a ver com a explicação e fundamentação do projeto. Quanto mais frágil for a fundamentação do projeto, e por vezes é, mais dificil será para as entidades chamadas a financiá-lo aceitar a diferenciação do projeto ou os seus pressupostos económicos e financeiros, e que podem levar à conclusão de que a empresa não demonstrou a viabilidade do projeto. Claro que admito poderem existir perspetivas diferentes sobre a capacidade de geração de valor de cada projeto, mas a eventual falta de fundamentação dos pressupostos em que assenta o plano de negócios da empresa é meio caminho andado para gerar reticências em quem analisa o projeto (Turismo de Portugal ou Banca) e, subsequentemente, a consideração de pressupostos mais conservadores, que podem levar à reprovação do projeto.

 

Diferenciação não é só no produto

Como avalia a procura, por parte das empresas, às linhas de financiamento disponibilizadas pelo Turismo de Portugal? Têm surgido projetos diferenciadores?

Como já vimos antes, a procura tem sido enorme e tem permitido alavancar, só com essas linhas, um volume de investimento muito expressivo. E sim, têm surgido muitos projetos diferenciadores, capazes d, por essa via, gerar mais valias competitivas. Noto que a diferenciação, a inovação, não é só no produto. Pode ser também nos processos de trabalho, na organização do trabalho, no nivel de formação das nossas equipas, ou nos canais de distribuição, de promoção e de venda. Inovação é tudo isso. Só insistindo em processos de inovação, em todas estas dimensões, será possivel às empresas tornarem-se mais eficientes, venderem proporcionalmente mais do que os recursos que consomem para esse efeito, e terem assim níveis cada vez maiores de produtividade. Disso depende o crescimento do setor.

No que toca à diferenciação de produto, que bons exemplos se lhe afiguram de imediato?

Temos projetos que se diferenciam como excelentes casos, porque aliam o turismo à saúde, ao desporto, à gastronomia, ao vinho, às termas, entre outros, integrando nas suas propostas de valor aquilo que o território lhes pode dar de quase inimitável. Por exemplo, em Viana do Castelo foi criado um hotel, na Praia do Cabedelo, muito orientado para desportos náuticos, que tem tido um desempenho assinalável. Em Aviz há outra unidade de alojamento muito interessante, associado ao remo. No Algarve também temos tido vários projetos ligados ao desporto e alguns associados à saúde. Mas também projetos de desenvolvimento de infraestruturas de apoio ao cicling & walking, redes de centros BTT, e de valorização das aldeias históricas e do xisto. Recordo que um dos objetivos da estratégia Turismo 2027 é precisamente alargar o turismo a todo o território e durante todo o ano. E este tipo de projetos traduzem-se em investimentos que vão ao encontro disso mesmo.

No que toca à Gastronomia, um segmento turístico com extrema influência dos Associados AHRESP, há exemplos que destaque?

Recentemente abriu, em Gaia, a Enoteca, um espaço da Real Companhia Velha, que é um excelente exemplo de um estabelecimento de restauração inovador face àquilo que a região e o país disponibiliza. Temos outro espaço, no interior do país, como o Museu do Azeite, recentemente inaugurado, e que trabalha um tema que, a par do vinho, tem vindo a ganhar cada vez mais valor na estruturação de produtos turísticos. Temos ainda o espaço do JncQUOI, em Lisboa, que veio, do mesmo paso, contribuir para a requalificaçao e valorização de um imóvel de grande valor cultural, histórico e arquitetónico. Há vários exemplos, como estes, que estão a surgir cada vez mais e que vêm contribuir precisamente para adicionar valor à oferta turística disponível a nível nacional.

Nestes exemplos referiu exclusivamente novos projetos. Regista-se mais procura de financiamento no âmbito da criação de novos estabelecimentos ou de requalificação dos já existentes?

De ambos. Existem, de facto, projetos novos que têm vindo a ser apoiados, porque temos que continuar a investir no aumento e na diversificação na nossa oferta. Mas também tem havido um forte investimento na requalificação de unidades existentes, assim como na sua ampliação, no sentido de as manter competitivas face a um mercado que é cada vez mais exigente. Aliás, em número de projetos, tem sido maior a quota de projetos de requalificação e de ampliação aprovados, para o que em muito tem contribuido o foco da Linha de Apoio à Qualificação da Oferta nessa área.