Carlos Moura, Presidente da AHRESP
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O turismo, depois de ter batido recordes atrás de recordes, está a dar algum sinal de abrandamento. Acredita que essa tendência é para se manter?
Continuamos a crescer, mas a verdade é não estamos a crescer à mesma velocidade que estávamos nos últimos anos. No entanto, isso também é natural porque vínhamos de um período pós-troika e, como estávamos a registar números tão baixos, era muito fácil crescer. Esses números são agora difíceis de continuar a manter mas, de qualquer das formas, é um erro criarmos alarmes porque continuamos a crescer, só que não estamos a fazê-lo à mesma velocidade. Além disso, estamos a fazê-lo de forma interessante, no sentido de esbater a sazonalidade e de crescer em territórios que são importantes, e é nisso que temos de continuar a apostar para que possamos crescer de forma sustentada. Mas é claro que hoje temos outros desafios e, como tal, temos de estar atentos e saber combatê-los e enfrentá-los.
Quais são esses desafios?
Um é a questão do aeroporto, que não desenvolve, e continuamos sem grandes novidades. A obra ainda não arrancou e, depois de arrancar, teremos de esperar pelo menos três anos para que esteja concluída. Não é uma coisa para amanhã e isso é, de facto, um problema porque, sendo Portugal um país periférico, a maior parte dos turistas chegam ao país através dos aeroportos. Depois temos a nossa concorrência, que já está a fazer alguma mossa porque alguns destinos tradicionalmente concorrentes de Portugal, nomeadamente no Mediterrâneo, por força de alguma estabilidade, já estão a captar alguns dos turistas que habitualmente vinham para o nosso país. Sem falar na questão do Brexit, que não é igual em todo o território, mas que no Algarve tem um impacto brutal porque 66% dos turistas que chegam ao Algarve são oriundos do Reino Unido. Não fizemos, provavelmente, o trabalho de casa convenientemente porque nenhum território pode estar tão dependente de uma origem como esteve estes anos todos o Algarve. Temos de diversificar.
Em relação ao aeroporto, acha que passámos demasiado tempo a discutir a localização?
Passámos, como habitualmente costumamos fazer, demasiado tempo a discutir soluções e depois acabamos por tomar poucas decisões. Seja a mais acertada ou não, é preciso tomar decisões porque temos um constrangimento que é reconhecido por todos e estamos a falar de um setor que é um dos mais importantes da economia. Não podemos continuar neste impasse.
Mas considera que o Montijo foi a melhor localização?
Essa discussão, agora, nem se deve colocar. Foi tomada a decisão, então tem se de avançar. Não podemos é perder mais três, quatro ou cinco anos a pensar numa alternativa que, se calhar, pudesse ser melhor. Não podemos perder mais tempo. Esta tomada de posição já devia ter acontecido há muito tempo porque, nesta altura, já devíamos estar com a possibilidade de aterrar com muitos mais voos do que aqueles que estão a aterrar neste momento.
E em relação ao Brexit, o que poderia ter sido feito?
Ninguém calcularia que chegássemos à situação em que estamos hoje, até porque a União Europeia foi criada para unir, e não para desunir. Ainda assim, esta situação não foi devidamente acautelada porque não podemos ter no território nacional regiões que dependam tanto de uma única origem, como acontece essencialmente no Algarve e também na Madeira – que tem uma percentagem relevante mas, comparativamente com o Algarve, ainda está longe: estamos a falar de 66% no Algarve para cerca de 20% na Madeira. Temos de trabalhar cada vez mais no sentido de encontrar um reforço para que turistas de outras origens venham até ao Algarve. O Algarve esteve sempre muito dependente de turistas oriundos do Reino Unido e é isso que tem de se evitar. Mas o Governo está agora a fazer esse trabalho, no sentido de criar condições e incentivar turistas de outras origens a compensarem esta falta dos ingleses, mas o problema é que nunca devíamos ter chegado a esta situação. Todos sabíamos dessa dependência, mas foi feito pouco para aumentar essa diversidade e agora estamos nesta situação. De facto, está tudo a trabalhar, mas não devíamos ter chegado a este ponto.
Corre-se o risco de algumas unidades hoteleiras no Algarve ficarem vazias?
Julgo que não. O maior problema tem a ver com a desvalorização da libra, mas quer os empresários, quer o Governo, o Turismo de Portugal e associações estão todos empenhados em identificar soluções e encontrar outros mercados. E esse trabalho está a ser feito. É claro que haverá sempre impacto, porque já estamos a ver menos turistas no Algarve, mas não quero passar nenhuma mensagem de alarmismo, até porque esse trabalho está a ser feito.
E destinos concorrentes como Egito ou Tunísia, estando mais estáveis, poderão roubar turistas a Portugal?
São mercados que habitualmente concorrem connosco e, estando mais estáveis, obviamente que há uma fatia importante que se perde para esses lugares. Mas temos de continuar a tratar do nosso território e não olhar tanto para aquilo que se passa nos outros. Temos de continuar a melhorar o nosso serviço, a nossa qualidade, e sabemos que temos coisas que não são minimamente comparáveis com esses locais porque, apesar de terem sol e mar, não têm a nossa gastronomia, nem a nossa hospitalidade, nem toda a diversidade de monumentos que temos. Nós, num território tão pequeno, conseguimos ter uma diversidade enorme de propostas que podemos oferecer aos turistas e é isso que tem de ser potenciado. Sermos diferentes, sermos singulares, sermos únicos é uma mais-valia; temos é de evidenciar cada vez mais essas propostas de valor que não são comparáveis, porque sol e mar há em muitos outros destinos. E se esses destinos de que falou nos roubam algumas fatias importantes de turistas, nós temos outras coisas que temos e podemos evidenciar. Além de ter temos a singularidade de termos um território pequeno, que pode ser visitável facilmente, que apresenta diferenças únicas em cada região.
Lisboa recebeu vários prémios nos últimos anos. Ficou surpreendida por este destino ter sido descoberto tão tarde?
É o resultado do trabalho que tem sido desenvolvido nos últimos anos, não só por este Governo, mas também pelos anteriores, e os frutos não se veem no próprio momento. Foi desenvolvido um trabalho sério e sustentado. E não foi só em Lisboa – o Porto também está na moda. Agora temos é de tornar os outros territórios também moda e temos de saber gerir melhor os fluxos de quem nos visita, para que não haja tentações de algumas vozes se levantarem e dizerem que temos turistas a mais, como tem vindo a verificar-se. É um absurdo e temos de evitar este tipo de comentários. É um disparate falarmos em turistas a mais, como também é um disparate falarmos que temos um fluxo intenso; o que temos é de gerir melhor os fluxos. E o caso de Lisboa é um bom exemplo disso. Não há necessidade de as pessoas visitarem os mesmos monumentos às mesmas horas. Podemos fazer a gestão dessa visitação; ainda por cima, a tecnologia, hoje, está ao nosso dispor. Não é difícil, temos é de fazer mais trabalho nesta gestão das cidades porque temos coisas à volta de Lisboa que não são visitadas frequentemente e têm de ser. É o caso, por exemplo, de Mafra, que está a 20 minutos de distância, e há pouca gente que vem a Lisboa e vá visitar o Convento de Mafra. Geralmente, os city tours vão a Sintra e a Cascais e ficam por aí. Mas quando vamos para qualquer outro destino, metem-nos num autocarro durante cinco horas para visitarmos uma igreja porque não têm mais nada para ver e, aí, as pessoas não se importam e vão. E nós aqui com tanto potencial… Há pouco tempo assisti a uma intervenção de um dos responsáveis dos Passadiços do Paiva que dizia que, antes do incêndio, tinham enormes problemas de visitação devido à elevada procura. Era um lugar que não estava habituado a ter muita gente e os habitantes estavam completamente em stresse, nem sequer as vaquinhas saíam para pastar por causa da confusão criada pelos carros e autocarros. No entanto, a infelicidade do incêndio deu-lhes a oportunidade de pensar em tudo de forma estruturada, em articulação com a câmara. Não só refizeram os passadiços como os melhoraram mas, depois, criaram um sistema organizado de visitação. Era gratuito; agora passou ser cobrado um euro e, quando se atinge um determinado número de pessoas, já não se pode fazer mais visitas nesse dia e têm de ser agendadas para o dia seguinte. E, com isso, eles vão controlando e monitorizando. E como melhoraram as infraestruturas à volta, já não se assiste àquelas enchentes. Toda a gente vê porque não reduziram o número de visitantes, simplesmente organizaram o número ao longo dos dias. Tudo isto pode ser feito, o que não pode acontecer é cairmos no disparate de dizermos que temos turistas a mais e correr o risco de deixar passar a mensagem de que somos uma Veneza ou uma Barcelona, que estão atoladas de gente e onde ninguém consegue mexer-se, porque isso não é verdade.
E incidentes como o da Madeira prejudicam a imagem de Portugal?
É claro que prejudicam, mas são coisas que acontecem, ainda não se sabe qual foi a causa. O que temos agora de fazer é tentar resolver o que há para resolver, e não intensificar essa discussão porque tem sempre um grande efeito no exterior.
Falou-se várias vezes na necessidade de mão-de-obra por parte do setor. O problema está minimizado?
Esse é um problema que continua a ser grave, pois não temos tido uma evolução muito positiva. A questão da reposição do IVA fez com que as empresas voltassem a ter capacidade para nivelar os postos de trabalho que tinham antes da crise. Nessa altura destruímos muitos postos de trabalho e as empresas estavam a trabalhar no limite, mas a reposição do IVA a 13%, a melhoria do poder de compra e o aumento do turismo fizeram com que as empresas voltassem a ter capacidade de se estruturarem e de criarem níveis de emprego que tinham no passado. A par disso foram feitos novos investimentos e surgiram novas empresas, e tudo isso fez com que o setor do turismo não só tenha sido aquele que mais emprego deu nos últimos anos como também absorveu tudo aquilo que havia para absorver. Neste momento podemos dizer que estamos a assistir quase a um pleno emprego porque a taxa de desemprego é baixíssima.
Desde que o IVA foi reduzido, quantos postos de trabalho foram criados?
Os dados que saíram no relatório interministerial, que abordava de 2015 a 2017, apontavam para que no canal Horeca, ou seja restauração e hotelaria, tivessem sido criados 64 600 postos de trabalho, mas, entretanto, em 2018 e 2019 continuámos a criar mais empregos. Tudo isto fez com que haja neste momento uma escassez de mão-de-obra. No ano passado fizemos uma grande reflexão sobre o mercado de trabalho e em janeiro de 2018 fizemos um inquérito aos empresários do setor, e já nessa altura diziam que, se tivessem 40 mil trabalhadores disponíveis, teriam absorvido esse número de trabalhadores.
Mais de um ano depois, esse número poderá ser ainda maior?
Admito que pode ser ainda maior.
O PSD acenou com a hipótese de voltar a subir a taxa do IVA na restauração…
Essa sugestão é, de facto, muito infeliz porque os dados estão em cima da mesa e os resultados estão à vista, e por isso é que foi criado um grupo interministerial para fazer um relatório sobre os impactos que essa medida provocou. Não entendo sequer essa ideia e espero que nunca venha a concretizar-se. Temos de continuar a pugnar é pela descida do IVA. Conseguimos a reposição do IVA a 13%, que foi um importante fôlego para o setor – recapitalizámos as nossas empresas, criámos postos de trabalho, essas pessoas também consomem noutros setores de atividade e é tudo isto que gera a economia. Continuamos a querer ter um IVA compatível com os países de mercados concorrentes, porque em Espanha, Itália e França, o IVA é de 10%, não é 13%, e em Portugal nem sequer estão todos os produtos na taxa dos 13%. Ainda temos um caminho que queremos continuar a percorrer. Ter um IVA novamente à taxa superior é voltar a entrar num ciclo muito complicado para o setor, que é o motor da nossa economia.
E como se pode resolver o problema da mão-de-obra?
Esta questão tem sido problemática, mas a AHRESP não tem ficado de braços cruzados e, quando tomámos posse neste novo mandato, um dos eixos que a nova direção identificou como prioritários foram as pessoas. Temos um plano de ação com um conjunto de propostas que estamos a trabalhar com o Governo no sentido de melhorar a imagem que o setor tem. Temos de acabar com a imagem de que é um setor pouco digno, de trabalhos ditos precários, com salários pouco atrativos, de grande rotatividade e de profissões pouco dignificadas e valorizadas, porque não é assim. A questão dos salários é uma questão que me irrita um bocadinho, porque o que é constantemente badalado são os salários que resultam das estatísticas do INE, e esses dados representam médias porque só falam dos salários-base. Mas não devemos esquecer-nos que este setor trabalha 24 horas por dia e isso significa que um trabalhador não recebe só o salário–base. Se o trabalhador estiver a trabalhar no período noturno tem uma compensação acrescida; o mesmo acontece se trabalhar num dia de descanso semanal ou num feriado, etc., e nada disso está contemplado nessas médias porque esses valores são variáveis e estão dependentes das horas que os trabalhadores fazem, dos dias que trabalho que têm, etc. E tudo isto é dinheiro – obviamente, na sequência de um esforço acrescido do trabalhador, porque ninguém gosta de trabalhar a um feriado ou a um fim de semana. Mais: este setor tem a particularidade de atribuir o subsídio de alimentação em espécie e, como o trabalhador está todo o dia na empresa, isso significa que toma o pequeno-almoço, almoça, lancha, janta e ceia, e todos nós fazemos compras no supermercado e sabemos quanto isso representa no final do mês; e em cima disso, muitas vezes recebem subsídio de alimentação em dinheiro. Evidentemente que algumas empresas pagarão o mínimo dos mínimos, mas isso é como em todos os setores. Acho que não devemos centrar-nos tanto nesta questão salarial porque o problema do setor não é um problema de baixos salários, como se repete consecutivamente, e há sempre a tendência de dizer que é a restauração que paga mal enquanto a hotelaria paga muito acima e, por isso, é a restauração que baixa a média salarial. Temos de desmistificar isto porque não é verdade, o salário-base está inquinado por essas razões de que lhe falei. Temos de perceber porque é que estas profissões não são muito atrativas e porque não temos as famílias todas a quererem que os seus filhos sejam empregados de mesa. É por causa do salário? Não acredito que seja.
Ainda há um estigma?
É porque, de facto, este setor é um setor penoso. Quando temos uma empresa que tem um trabalhador desde a manhã até à noite e faz um intervalo a meio entre o fim dos almoços e o início dos jantares, obviamente que esse intervalo não dá para o trabalhador ir para casa, ir tratar da sua vida familiar. Isto não é fácil porque o trabalhador fica fora da sua vida familiar um dia inteiro, e isso é penoso. Como é que, nessa situação, consegue conciliar a sua vida profissional com a sua vida pessoal? Ninguém consegue. Sem falar que tem de trabalhar aos domingos, à noite, aos feriados. Evidentemente que é um setor de grande esforço. Temos é de tentar organizar mais e melhor estes horários de trabalho e isso é uma coisa que os empresários terão de saber fazer melhor. Sem dúvida que um dos problemas do setor é a falta de capacitação dos próprios empresários e por isso é que, em conjunto com o Turismo de Portugal, estamos a fazer várias ações de capacitação para as empresas e empresários para os ajudar a fazer uma melhor gestão das suas empresas. Mas este tema merece maior reflexão e profundidade; é claro que não é fácil porque, se fosse fácil, já estaria resolvido. A verdade é que temos de pôr o dedo na ferida e, neste momento, o setor não consegue arranjar trabalhadores – e nem sequer estou a falar de trabalhadores qualificados. Mesmo que não sejam qualificados, as empresas já os querem. Por isso, também temos de melhorar o nível de qualificação destes profissionais. Agora, centrar estes problemas no salário não é correto. É claro que as empresas que podem devem pagar mais, mas também a AHRESP tem intervindo nesse campo. Todos os anos fechamos a contratação coletiva, acabámos de fechar para 2019. Em 2018 houve um aumento de cerca de 3,6% e este ano voltou a haver esse aumento de 3,6%, e foi acordado com os sindicatos, o que significa que há conforto por parte de quem representa os trabalhadores. E no ano passado subimos de nível várias categorias ditas mais problemáticas, como os empresários de mesa, o barman, para dar um sinal de que queríamos valorizar as profissões. Para que um dia tenhamos as famílias a querer que os seus filhos sejam empregados de mesa.
Implica também uma mudança de mentalidades…
Implica muita coisa. Temos é de estar disponíveis para fazer essa reflexão. Aquilo que se fez com o chefe de cozinha e, hoje em dia, é tão sexy ser cozinheiro e não há falta de pessoas que queiram seguir essa carreira, também teremos de fazer com os empregados de mesa. É claro que essa mudança em torno dos chefes também esteve muito relacionada com os programas de televisão e com a imagem que foi criada. Agora não temos falta de pessoas que queiram ir para a cozinha, mas temos falta de pessoas que queiram ser empregados de mesa. E um empregado de mesa é decisivo num estabelecimento. Tenho a certeza, se for a um restaurante, se comer lindamente, mas se for mal atendida pelo serviço de mesa, não volta lá, mas se for o contrário e se a cozinha não for muito agradável, mas o serviço de atendimento de mesa for extraordinário, volta lá. Isto significa que um empregado de mesa não é um mero empregado de mesa, é um verdadeiro relações públicas.
Falta um programa de televisão para atrair?
Temos isso já em carteira.
Contratar mão-de-obra estrangeira pode ser a solução?
Sim, neste momento temos empresas com dificuldade em abrir alguns dos investimentos que estavam em curso e já estão a pensar em recorrer a mão-de–obra estrangeira. Tivemos um período em que a mão-de-obra estrangeira era quase incipiente, agora voltamos a ter uma leva de contratação de mão-de-obra estrangeira. A questão é que continuamos a ter muitas demoras no SEF para as legalizações dos processos.
Mas acha que faz sentido ser atendido por alguém que não fala português?
É claro que não. Não é desejável e não é isso que queremos. O que acontece é que, muitas vezes, as empresas ficam desesperadas e não encontram trabalhadores. E chega uma altura em que não é valorizada nem a experiência nem se sabem ou não falar português.
O alojamento local continua a ser o parente pobre do setor e o responsável pelos vários problemas que o país enfrenta, nomeadamente a habitação…
Acho que se ficássemos sossegadinhos teríamos feito melhor porque, mais uma vez, toda essa confusão à volta do alojamento local resulta da falta de conhecimento do terreno das pessoas que gostam de opinar sobre temas que não conhecem. O alojamento local virou um tema muito apaixonante e toda a gente resolver falar do tema e todos têm um caso conhecido. A AHRESP quis conhecer o terreno e, assim que assistimos ao crescimento deste negócio – porque o alojamento local não é um fenómeno novo, as antigas pensões e residenciais que caíram no setor, muitas delas funcionavam há 50 anos -, fomos para o terreno. Mas o que é que aconteceu? Primeiro, explodiu porque se facilitou o registo para que entrassem todas as ofertas na formalidade, porque havia muitas que funcionavam na ilegalidade; depois, porque houve um grande aumento da procura. Como era preciso conhecer o que estava a acontecer no terreno e no território – porque uma coisa é Lisboa, outra é Mafra ou o centro de Portugal -, a AHRESP quis identificar essa oferta, o tipo de visitante e de empresário; e fizemos isso em Lisboa, depois fomos para o centro, Alentejo, Porto e norte, e estamos agora no Algarve. Além disso, medimos o impacto económico desta atividade na Área Metropolitana de Lisboa. Esse estudo foi feito há dois anos e, já nessa altura, o alojamento local pesava 1% no PIB português. Não estamos a falar de uma atividade pequena, recolhemos dados muito interessantes e concluímos, por exemplo, que 60% dos imóveis que estão afetos ao alojamento local – e esse número não é muito diferente do que se verifica no resto do território e varia entre os 50% e os 60% – eram frações completamente desocupadas e a caírem de podres, completamente decadentes, e foi o alojamento local que as regenerou e veio dar vitalidade. E quando estamos a falar disto não podemos falar apenas do imóvel, porque à volta aconteceu o mesmo. O turista, quando chega, não dorme apenas, também precisa de comer e, por isso, a restauração teve benefícios enormes, assim como o comércio, e basta olhar para a cidade de Lisboa para percebermos tudo isto. Estes desconfortos e estas críticas ao alojamento local são completamente despropositados, do meu ponto de vista, porque as críticas surgem sempre de duas formas: temos muito alojamento local e não temos imóveis para habitação. O que aconteceu na habitação não teve nada a ver com o alojamento local; o que aconteceu é que as pessoas se esqueceram que houve uma alteração legislativa à lei do arrendamento urbano antes deste boom do alojamento local. E a lei do arrendamento urbano veio fazer uma coisa catastrófica que foi dizer que os contratos de tempo indeterminado podiam converter-se em contratos a termo certo e os inquilinos podiam ser despejados de uma forma muito mais ágil e célere. E com base nesse instrumento, os senhorios, que já estavam numa situação muito complicada há muitos anos porque as rendas eram baixas, não faziam obras e não podiam despejar os inquilinos, aproveitaram-se disso. E foi nessa altura que muitos imóveis ficaram sem ninguém. O que é que aconteceu? Se a atividade do alojamento local estava a crescer era porque havia procura e o alojamento local acabou por aproveitar essa oportunidade, mas foi o alojamento local como podia ter sido outra atividade. Não foi o alojamento local o causador dessa questão da falta de habitação. E vamos ser sinceros: estas casas de que estamos a falar são casas pequenas, algumas delas sem casa de banho; obviamente que esses imóveis, mesmo que fossem regenerados, dificilmente seriam para habitação. Um casal com família não iria morar para ali. E antes deste boom do alojamento local nunca foi fácil as pessoas irem morar para o centro de Lisboa; nessa altura, o centro da cidade estava abandonado. São tudo falsas questões, é preciso termos noção do todo e do que aconteceu. Mas também não escondemos a cabeça debaixo da areia, sabemos que há algumas freguesias de Lisboa, e não é Lisboa toda, com uma grande concentração de AL. É lógico que, registando-se um aumento da procura de imóveis, tal resulte no aumento dos preços dos imóveis, mas isso reflete apenas a lógica da lei da procura e da oferta. Com ou sem alojamento local, esta situação já se perspetivava, mas agora há a tendência de responsabilizar o alojamento local em matéria de políticas de habitação, função essa que é exclusiva do Estado.
E como vê as restrições em algumas das freguesias de Lisboa?
Não ficámos muito felizes com as soluções que foram encontradas. A solução que veio a ser preconizada pela Assembleia da República, porque a proposta da AHRESP não era essa, criou as famosas zonas de contenção. As câmaras municipais podem estabelecer por regulamento zonas de contenção, e foi isso que Lisboa escolheu fazer. Aliás, Lisboa deliberou logo zonas de contenção, e depois, o que diz a lei é que, passado um ano, tem de haver um regulamento para continuar a haver essa restrição. Estas questões, para nós, são sempre muito sensíveis porque permitem às câmaras fazerem como quiserem e com base nos critérios que bem entenderem. O que defendemos desde a primeira hora foi que a lei previsse em concreto quais são os critérios que podem levar as câmaras a definirem essas zonas de contenção. Não foi essa a solução preconizada e obviamente que é uma situação que nos preocupa porque, neste momento, só a Câmara de Lisboa e Mafra é que avançaram com isso.
A ALEP fala em queda de 60% de licenças em Lisboa desde o início do ano…
A Câmara de Lisboa aproveitou logo a possibilidade que a lei lhe dava de, por deliberação simples, fazer essa zona de contenção. O Porto já não fez, o presidente da autarquia disse que era preciso estudar e aprofundar com calma o que era necessário fazer e só depois é que iria fazer um regulamento e, até à data, ainda não há nada. Não sei se a Câmara de Lisboa não se precipitou porque já nos encontramos num momento de alguma desaceleração do turismo e, no caso do alojamento local, isso é notório. No nosso estudo já prevíamos essa desaceleração no final de 2019; portanto, o mercado ajusta-se, pois o alojamento local só aparece porque há procura. Se a procura for menor, o aparecimento de novas ofertas também abrandará. Como o alojamento local tem a vantagem de se adaptar, sempre defendemos que devíamos ter calma, tanto que o alojamento local não necessita de uma licença específica porque esta facilidade de ter uma licença de habitação permite ao proprietário, se não existem clientes e se não há procura, virar-se para outro negócio, como o arrendamento ou viver lá. Este mecanismo permite-lhe ajustar–se ao mercado e não haveria necessidade de estarmos a intervir de forma tão intensa. Estamos a querer controlar uma atividade, o que o mercado, por si só, faz. E às vezes colocamos areia na engrenagem desnecessariamente – porque esta alteração da lei podia ter sido pior, porque ainda fomos a tempo de fazer algumas intervenções – e isso não ajuda nem facilita nada. A hipótese de os condóminos poderem vir a solicitar ao presidente da câmara para cancelarem um registo de alojamento local por estarem incomodados parece-me completamente disparatada. É a única atividade económica que conheço que pode vir a ser limitada por alguém. Ou é legal ou é ilegal e, sendo legal, como é que alguém, em assembleia de condóminos, poda vir a pedir ao presidente da câmara para cancelar o registo por se sentir incomodado? Então se tiver um vizinho que esteja a ouvir música às 3h da manhã não posso fazer nada, mas se for alojamento local já posso?
E considera que os hotéis complementam a oferta?
É uma oferta que se complementa e todos beneficiam com ela. Como é que podíamos ter uma Web Summit em Lisboa se não tivéssemos a oferta de alojamento local? Temos essa oferta porque precisamos de alojar as pessoas que nos visitam. Esta discussão e a reação legislativa foram muito em função daquilo que as pessoas diziam e do alarido público, e toda esta questão não foi devidamente refletida. Aquilo que veio a ser a versão final não me parece interessante e os senhores deputados nem sempre conhecem bem o que estão a fazer. O que não podemos deixar acontecer é que os regulamentos sejam reflexo de fundamentalismos, por vezes meramente ideológicos, que tendencialmente recaem sobre o alojamento local, diabolizando-o. Os regulamentos que regulem esta matéria não devem ser insensíveis às várias realidades de alojamento local e aos benefícios que podem trazer, mesmo em áreas de contenção, nomeadamente em termos de reabilitação e em termos de instalação, que em nada retira imóveis à habitação. Mas acho que o alarido desapareceu um bocadinho e espero que as pessoas que disseram que tinham turistas a mais e que eles estavam a estragar as cidades não venham a arrepender-se porque, de facto, já estamos a assistir a um abrandamento e é essencial continuar a ter turistas e a ter cidades vivas. E há outro facto muito interessante que é termos cidades à volta dos grandes centros urbanos, ditas periferias, que nunca tinham visto turistas, e agora veem-se na Amadora turistas com mochilas às costas. O mesmo acontece com Odivelas. É muito interessante ver que estas cidades já beneficiam desta realidade.
O setor é conhecido por ser um dos alvos das taxas e taxinhas. Isso vai sendo ultrapassado?
Acho que melhorámos; contudo, acho que temos uma lista que continua a estar em cima da mesa e desejaríamos muito que grande parte do que está lá fosse eliminado, mas sabemos que algumas coisas são difíceis de acontecer porque temos taxas e taxinhas impostas por todo o lado. É por diplomas que são nacionais, outros por câmaras municipais, há encargos que temos que são obrigatórios e resultam de regulamentos comunitários ou de diretivas. Sabemos que não é fácil, mas temos esse dossiê em cima da mesa para ir tratando. Gostaríamos que fosse mais veloz, mas nem sempre as coisas correm à velocidade que nós queríamos. Ao que temos assistido é que, por parte das autarquias, continuamos a ter muita velocidade na implementação de taxas, como é o caso das taxas turísticas, que começaram em Lisboa e não param mais. E depois temos um conjunto de custos que continuam a ser-nos impostos não a nível nacional, mas que advêm de regulamentos comunitários. A questão recente da proteção de dados não é propriamente uma taxa, mas é um custo enorme para as empresas e que estas têm muita dificuldade em cumprir. É um setor que continua a ser fustigado. Já houve alturas piores, mas a verdade é que continuamos com uma lista em cima da mesa que não conseguimos resolver e, de vez em quando, aparece-nos uma surpresa não tanto a nível interno, mas dos nossos amigos da comunidade europeia.
E como é que a associação vê esta guerra ao plástico? O setor está preparado para isso?
É um setor que está sempre na linha da frente com estas preocupações. Temos lançado várias iniciativas, estamos muito envolvidos e temos uma grande preocupação, mas não podemos esquecer-nos que tudo isso são mais custos para as empresas. Qualquer solução substitutiva nestas primeiras fases – depois, o mercado há de ajustar-se – são sempre materiais mais caros e isso representa mais custos para as empresas. É preciso ter tempo para fazer essa transição. E estamos num setor em que nem sempre os materiais alternativos podem ser utilizados. Neste caso, não estamos perante taxas e taxinhas diretas, mas taxas e taxinhas indiretas. Hoje, tudo se decide fora de portas